Foto: Roberta Rêgo
Anotações de pilotos foram obtidas com exclusividade pelo Fantástico. Acidente causou 16 mortes na quarta; Anac suspendeu voos da empresa
Um caderno de anotações, obtido com exclusividade pelo Fantástico, traz relatos de pilotos sobre problemas de manutenção em um dos aviões da empresa aérea Noar, responsável pela aeronave que caiu nesta quarta-feira (17) no Recife, causando 16 mortes. Segundo a reportagem, o caderno foi recebido de uma fonte anônima e contém informações sobre o outro avião da companhia, que continua a operar.
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Levado junto com o diário de bordo, o caderno traz diversos registros escritos por pilotos e copilotos, relatos feitos pela tripulação sobre situações consideradas anormais e que aconteceram a bordo. Com base nas informações, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) suspendeu cautelarmente as operações da empresa neste domingo, para apurar se a companhia está adotando práticas que podem ferir o Código Brasileiro Aeronáutico. "Essas anotações deveriam constar no livro de registro de voo, jornada e ocorrências da aeronave e de seus tripulantes (diário de bordo)", informou a agência.
Veja o site do Fantástico
A reportagem contou 75 anotações no intervalo entre 3 de novembro do ano passado até 9 de julho, sábado da semana passada. Alguns dos registros foram feitos pelo piloto Rivaldo Cardoso, que morreu no acidente. Ele enumera cinco tópicos, no dia 18 de dezembro, escrevendo que a potência do motor teve que ser mantida em 60% para que a temperatura não atingisse o limite na decolagem.
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A reportagem contou 75 anotações no intervalo entre 3 de novembro do ano passado até 9 de julho, sábado da semana passada. Alguns dos registros foram feitos pelo piloto Rivaldo Cardoso, que morreu no acidente. Ele enumera cinco tópicos, no dia 18 de dezembro, escrevendo que a potência do motor teve que ser mantida em 60% para que a temperatura não atingisse o limite na decolagem.
Foto: Roberta Rêgo
O piloto relata ainda a existência de luzes queimadas, diz que o fone do comandante não funciona, que durante uma decolagem de Aracaju teve que reduzir a potência para 50% para manter a temperatura no limite e conclui sugerindo que não se disponibilize a aeronave antes da verificação do problema de elevação da temperatura do motor 1. “A decolagem com 16 passageiros de Maceió para o Recife com torque, ou potência, de 50% não é aconselhável”, diz no texto.
Duas peças trocadas
Duas peças trocadas
A Noar é a única empresa aérea nordestina. Em junho do ano passado começou a fazer voos comerciais para quatro cidades da região. Tinha dois aviões do modelo Let 410, fabricado na República Tcheca. Depois do acidente, a empresa cancelou todos os voos que estavam programados, mas voltou a operar neste sábado.
A empresa informou que o avião acidentado na quarta-feira tinha passado por um serviço de manutenção no fim de semana anterior. Uma equipe de técnicos da empresa fabricante esteve no Recife e trocou duas peças do motor esquerdo. A direção da Noar apresentou documentos que comprovariam que o serviço foi feito e o bimotor estaria pronto para voar.
Na coluna preenchida pela equipe de manutenção, está registrado que foi trocado o instrumento de temperatura e que foi agendado voo para checagem. Depois do serviço, que se estendeu da sexta ao domingo, o avião voou dezessete horas e quatro minutos até cair.
Ainda no local do acidente, Jairo Gonçalves falou da conversa que teve com o irmão, o copiloto Roberto Gonçalves. “Ele falou pra mim, extra-oficialmente, que a aeronave teve uns problemas de potência. Inclusive, salvo engano, foram trocadas duas turbinas e as aeronaves ficaram paradas. Agora, o que ele falou é que a aeronave estava apta a voar”, afirmou.
Depois de reprogramar suas operações, a Noar colocou o único avião que restou à frota para voar outra vez neste sábado. Ele decolou do Recife pouco depois das 9h com dois tripulantes e mais três pessoas a bordo. Retornou ao Recife com dois passageiros.
Opinião de especialistas
Foto: Roberta Rêgo
O Fantástico destacou algumas ocorrências anotadas por várias tripulações, com a ajuda de especialistas. Um deles comenta as anotações, o piloto Jackson Porciúncula, com 42 anos de aviação e 26 mil horas de voo.
Um dos primeiros registros do caderno, de 10 de novembro, diz que a potência do motor direito não atingiu 60%. Ficou mais ou menos em 55%, vindo a normalizar após cruzar os 400 pés de altitude. O piloto afirma que a decolagem ocorreu em situação de risco e que a aeronave demorou a sair do solo. “Eu diria que se essa aeronave, durante a decolagem, tivesse um problema com o motor da direita, o piloto, com esse motor, teria dificuldade em retornar para a pista”, diz o comandante.
Em outro registro, o piloto diz que uma luz e um aviso sonoro de indicação do painel não aparecem. A aeronave estaria “estolando”, ou seja, perdendo sustentação e sem os sinais de alerta. A equipe de manutenção informa ao lado da anotação que foi feita uma verificação em solo e que estava tudo ok.
“Isso aí é um fato que, durante uma operação em que o piloto necessite desse aviso de estol da aeronave, ele não vai ter o aviso adequado, podendo comprometer sua análise, seu procedimento, a sua rampa de descida. Em virtude disso, está ali para avisar o piloto que deverá naturalmente baixar o nariz, porque ele está atingindo uma velocidade de estol que ele deve evitar. Isso compromete sim a operação”, destacou Jackson.
Pane
Um dos primeiros registros do caderno, de 10 de novembro, diz que a potência do motor direito não atingiu 60%. Ficou mais ou menos em 55%, vindo a normalizar após cruzar os 400 pés de altitude. O piloto afirma que a decolagem ocorreu em situação de risco e que a aeronave demorou a sair do solo. “Eu diria que se essa aeronave, durante a decolagem, tivesse um problema com o motor da direita, o piloto, com esse motor, teria dificuldade em retornar para a pista”, diz o comandante.
Em outro registro, o piloto diz que uma luz e um aviso sonoro de indicação do painel não aparecem. A aeronave estaria “estolando”, ou seja, perdendo sustentação e sem os sinais de alerta. A equipe de manutenção informa ao lado da anotação que foi feita uma verificação em solo e que estava tudo ok.
“Isso aí é um fato que, durante uma operação em que o piloto necessite desse aviso de estol da aeronave, ele não vai ter o aviso adequado, podendo comprometer sua análise, seu procedimento, a sua rampa de descida. Em virtude disso, está ali para avisar o piloto que deverá naturalmente baixar o nariz, porque ele está atingindo uma velocidade de estol que ele deve evitar. Isso compromete sim a operação”, destacou Jackson.
Pane
No dia 14 de dezembro, um dos comandantes da Noar relata que placas de indicação das luzes de aviso dos motores direito e esquerdo estão trocadas. Alertam que isso pode gerar erro grave em caso de pane, sobretudo, fogo. Na coluna da manutenção, a informação é de que foi feita a correção provisória enquanto não se invertem as placas.
“Isso naturalmente, no momento de o piloto identificar uma pane no motor, ele vai identificar a pane, mas, se ele ler em cima, no motor, ele vai pensar que a pane é no outro motor. Na minha concepção, dentro do que eu entendo, eu não voaria nessas condições. Eu recusaria essa aeronave”, aponta o especialista.
Em 3 de julho último, o registro é: indicação de razão de subida no display do comandante com variações que a tripulação considera absurdas, de 100 a 1300 pés por minuto, enquanto o display da direita apresenta mais ou menos 100 pés.
“Isso é fundamental em descida por instrumento. Em condições ruins de tempo, é fundamental. Ele usa a palavra "absurda". De 100 a 1000 e 1300, é absurdo. Eu nunca usei em minha aviação inteira a palavra absurda, porque eu diria que para mim essa variação quando chegou a 100 pés ela já seria o suficiente para que eu trocasse de instrumento”, diz o comandante Jackson Porciúncula.
Na última anotação, de 9 de julho, o piloto diz: “Urgente, atenção: um copiloto que voava como passageiro observou que a porta do trem de pouso esquerdo, que já se encontrava amassada, parecia que ia se soltar em voo, inclusive dobrando para cima pela ação do vento”.
“Ele está reportando que uma das comportas do trem de pouso que está aparentemente solta e que estava com uma inclinação para cima. Isso pode causar algum problema aerodinâmico à aeronave. Então ele reporta aqui: ‘urgente atenção’. Eu interpreto que esse piloto aqui estava pedindo que realmente fosse tomada uma providência, que ele estava no limite dele aqui de aceitação de uma situação dessas”, declara Jackson.
Outro lado
A reportagem procurou os diretores da Noar Linhas Aéreas, que disseram que não gravariam entrevista, mas que se pronunciariam por meio de nota.
O diretor de assuntos corporativos e comerciais da Noar, Giovanne Farias, também foi procurado. A ele, foi entregue uma cópia do material. Sobre o pedido de acesso e a existência no avião do caderno onde a tripulação relatava ocorrências de vôos, ele se manifestou em nota: “A Noar Linhas Aéreas criou um registro auxiliar com a finalidade de apresentar impressões e percepções das tripulações acerca do funcionamento das aeronaves. Essas impressões e percepções podem se transformar em ordens de serviço, se for necessário, após análise dos especialistas em manutenção da empresa”.
A nota diz também considerar “grave seria a omissão dessas informações”. A companhia ainda informa que todas as ocorrências foram solucionadas e que as informações estabelecidas no regulamento brasileiro da aviação civil estão, sim, registradas nos livros de bordo. Questionada se a outra aeronave também tinha esse tipo de registro, a Noar respondeu que sim.
Da Redação do pe360graus.com
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